quarta-feira, 20 de junho de 2007

Reviver histórias de amor...


Queridos colegas

Impõe-se que façamos aqui um esclarecimento prévio acerca do texto que se segue. Por questões que decerto entenderão, adoptamos como princípio não tornar públicos textos que não sejam assinados. Há no entanto situações que nos fazem vacilar.
Hoje recebemos, como comentário a um post anterior, o relato de uma belíssima história de amor, dos tempos do Externato...infelizmente anónima. Depois de muito "matutarmos" sobre o assunto, achámos que há coisas que não devem ser "escondidas". Pelo carácter estético e pela carga emotiva do texto em referência, decidimos abrir uma excepção. Deliciem-se com com a história que se segue...e tentemos (indiscretamente!) descobrir o autor.

A Comissão Organizadora

"Ali estava eu, para mais um dia, da minha condição de aluno do “Colégio”. No chão, a meus pés, repousava uma pasta, meio rasgada, repleta de livros, alguns deles herança do meu irmão mais velho que, tão heroicamente, os havia abandonado para se dedicar ao negócio imobiliário.
Eu sabia, por ele, que o meu pai tinha para mim outros planos, a minha compleição física recomendava que eu seguisse estudos. Pendurada no ombro a sacola do almoço libertava mornos vapores que me lembravam o esforço matinal de minha mãe na sua confecção. Era assim todos os dias, chamava-me bem cedo para que me levantasse a tempo de completar os trabalhos de casa, já que na véspera após regressar do Colégio tinha de guardar as ovelhas, pôr a ceia à mula e abastecer de água as galinhas. Deixava-me aquele candeeiro de luz trémula, de vidro a petróleo, e ia organizar os almoços, nomeadamente o meu, que acondicionava numa lancheira e cuidadosamente embrulhava em papel de jornal para que se conservasse quente.
Enquanto a minha mãe cozinhava eu, afincadamente, entusiasmava-me na compilação dos apontamentos de Ciências que a Mané nos ditava ou lia atentamente aquele compêndio de História sobre o qual o Serrado nos questionava, talvez tentasse resolver algumas equações matemáticas ou conjugar mais um verbo em Francês.Enquanto isso reconhecia pelo odor aquelas batatas de palito, fritas em azeite grosso e fazia apostas comigo próprio que seriam acompanhadas de ovo estrelado.
Chegava já a última carrinha com alunos, as aulas começariam em breve, num gesto rápido, com as unhas, aliviava um pouco uma súbita comichão capilar, os dedos encardidos passeavam-se por entre o cabelo tentando alisar aquele jeito que havia ficado do travesseiro entumecido pelo seu recheio de camisas de milho.
Ainda tinha de passar pela cantina improvisada numa velha cozinha anexa ao edifício principal, deixar a sacola do almoço e dirigir-me para a sala de aula. Contraditórios eram os sentimentos de afirmação e de medo que transportava, sentia-me um homem, deliciava-me com a presença das colegas, mas um medo enorme apoderava-se de mim, não sei dizer se devido à complexidade da Matemática se à atitude do meu professor. Certo era que eu caminhava receoso em direcção às escadas que me levariam ao piso superior, logo após aquele corredor se tornava demasiado curto, e já tínhamos entrado…
Agradável era pensar que após o martírio da aula de matemática poderíamos jogar à barra, ao prego ou saltar ao eixo, enquanto dizíamos aquela lengalenga “1 - um por um “ “2 – dois bois” “ 3 – três Maria Inês”…preenchendo com a nossa juventude todo aquele recreio de terra batida murado com pedra. Nessa altura já desfrutava de permissão para frequentar o recreio dos “adultos”, protegia inclusive um “bicho” que com os outros evoluía numa parte a eles reservada, junto a um velho poço, onde resistia uma figueira de figos bem carnudos.
Naquele dia, porém, a vontade de brincar era pouca e sentado num dos bancos de pedra que existia cavado no muro circundante ao recreio, estrategicamente colocado relativamente à cobertura do ginásio vi-A subitamente aparecer. ELA quedou-se os instantes suficientes para que eu num gesto quase automático lhe enviasse um beijo soprado da ponta dos dedos. Com a mesma leveza com que aparecera assim desapareceu, não sem antes me acenar às escondidas das colegas, soltando uma sonora risada envolveu-se de novo em brincadeiras ocultadas pelo muro envolvente do seu recreio elevado.
Perturbado, apenas me assaltavam ideias para lhe revelar este amor que fazia tempo transportava comigo em silêncio e em segredo. Estava deveras apaixonado e a situação angustiava-me de forma insustentável requerendo uma atitude, contudo todas as hipóteses eram facilmente rebatidas por obstáculos criados pela minha inexperiência e pela minha timidez.
Falar-lhe poderia comprometer tudo, as colegas iam “gozar” e ela afastar-se-ia, afinal eu não era mais que um miúdo da aldeia, que vestia roupas escolhidas pelos pais, feitas em alfaiate e que ainda usava botas de sola de pneu feitas num daqueles dias em que o sapateiro vinha a casa fabricar o calçado para toda a gente. O pronto-a-vestir e a sapataria apenas se tornariam familiares para mim bastante mais tarde… ELA “menina da vila” tão candidamente vestida, penteada ao jeito de cantora da rádio e televisão não poderia pela certa corresponder-me nesse amor que teimosamente me fazia depender cada vez mais do SEU olhar do Seu sorriso e da SUA atenção.Era moda, nessa altura, utilizar nas pastas de arquivo, umas folhas coloridas que, o Sr. Zé Henriques, sempre atento aos gostos da juventude, nos fornecia. Uma delas, de cor lilás, foi a solução por mim encontrada, sobre ela escrevi tudo o que se me afigurava convincente do meu amor por ELA e onde A questionava sobre a oportunidade de falarmos. Faltava agora encontrar uma situação para lhe entregar este bilhete sem lhe criar embaraços. Só mais tarde soube que quando naquele inicio de aula, antes da chegada do Silveira, se me dirigiu já o fazia porque também ela se sentia curiosa relativamente a um sentimento que nela despontava. Foi aí que me entregou o seu “Inquérito” e pediu para eu responder.
No dia seguinte, do qual ainda hoje recordo a data, ao entregar-lhe o inquérito preenchido, consegui dizer-lhe meio em surdina que o tal bilhete estava no interior. Horas difíceis se seguiram, a curiosidade e o desejo de descobrir num pequeno sinal ou num olhar que não estava magoada com a minha ousadia como que me estrangulavam, o tal nó na garganta lá estava presente e quase não almocei. O pão de meio quilo, acabado de comprar na padaria da entrada da vila, e o bacalhau frito que tinha trazido de casa, ainda haveriam de ser o meu lanche no regresso, para evitar um desgosto ou pelo menos uma preocupação à minha mãe.
No período da tarde tivemos uma aula de Francês naquela salinha ao fundo do palco e no Ginásio em frente logo de seguida teríamos uma “aula de estudo”.
Por acaso ou por vontade conjunta fomos os últimos a sair da sala. Já se ouvia o Sr. Alberto a pedir silêncio, provavelmente a escrever silêncio só com “esses” naquele pequeno quadro que ali existia à direita quando se entrava. E foi lá naquela salinha que demos o nosso primeiro beijo, para mim um beijo maior que o mundo, um beijo que continua a queimar-me os lábios, um beijo que me faz voltar quase todos os anos a este encontro na esperança de que também ELA venha.
A vida separou-nos mas não conseguiu matar este amor!
Nota da Administração do blog: para quem visita pela primeira vez este espaço, aconselha-se a leitura atenta do histórico. O TEU nome pode andar por aí, nos mais recônditos comentários...

6 comentários:

Anônimo disse...

Eu sei que é pedir demais...mas a curiosidade é tanta!!!!!! :;)) E se dissesses quem és? Afinal estamos entre amigos, não? Vá lá!
Abraços

Nídia

Anônimo disse...

Em primeiro lugar obrigado por terem dado maior visibilidade à minha mensagem, espero que também ELA a leia e que nela encontre o que parece vocês já encontraram "um grande amor".
Sou efectivamnete um antigo aluno do Externato Soares Barbosa, pertenço pois a esta grande família e garanto-vos idoneidade suficiente para A não comprometer identificando-me, única e simples razão porque o não fiz anteriormente.
ELA saberá quem eu sou se me ler.
De qualquer modo obrigado por esta janela e contem comigo no próximo ano.
Até lá regresso ao meu silêncio.
Um AAEASB

João patrício disse...

Bom dia.

Não tenho palavras...apenas direi comovido e mudo...este "anónimo" foi meu colega de Turma.

Um abraço

Patricio

Vamos fazer a festa! disse...

Patrício, Patrício...anda aqui ao meu ouvidito relembrar-me quem eram os teus colegas de turma...:)

Nídia

Anônimo disse...

É sempre bom voltarmos aos lugares onde passámos a nossa meninice. É bem verdade que o tempo tudo muda e, a cada vez que voltamos, menos daquilo que nos era familiar, encontramos. Os velhos amigos partem, também - alguns para sempre – e, no lugar dos velhos prédios, novos vão sendo construídos, tornando cada vez mais difícil esse exercício, quase sempre agradável, de reconstruir o passado a partir das memórias que guardámos.
Passei a meninice em Ansião e boa parte da minha juventude. Por isso, sempre que posso aqui volto. Este fim de semana, mais uma vez, cumpri com essa tarefa e visitei alguns familiares afastados que por cá moram e, foram eles que me informaram que no antigo Melado houvera um almoço de confraternização dos antigos alunos do Externato António Soares Barbosa, onde estudei do primeiro ao quinto ano dos liceus, como se dizia na época. Uma mão amiga com eles deixou também o endereço electrónico deste blog.
Eufórico, procurei um computador com internet, cioso de rever velhos companheiros; achei-o no Centro Cultural, e aqui deixo meus cumprimentos ao Dr. Fernando Ribeiro, velho amigo, pela magnífica iniciativa de prover os ansianenses com um espaço desta categoria, dedicado à difusão cultural.
Perdoem-me, velhos amigos,este preâmbulo e a demora em entrar no assunto que me leva a escrever estas linhas. Mas, a verdade é que, aquilo que eu imaginava que seriam momentos da mais genuína e pura alegria, não demorou a transformar-se em mais um sombrio e doloroso pesadelo. Pesadelo recorrente durante tantos anos da minha vida, do qual me julgava finalmente liberto e que, de repente, como nocturno salteador invade, de novo, a minha vida. Daí, a minha dificuldade em entrar directamente no assunto. Peço-vos perdão, mais uma vez, mas é-me imperioso que assim faça para ver se exorcizo, duma vez por todas – espero - estes velhos fantasmas que me apoquentam.
Comecei por olhar as fotos e deliciei-me no rever de tantos rostos tão familiares; quando uma suave onda de nostálgica alegria adolescente começava a me invadir, eis que chego àquela confissão de amor, que para alguns será uma bela história de amor, mas que, para mim, infelizmente, mais parece
uma vulgar gabolice de um Don Juan de meia tijela. Não consigo entender os motivos que levaram este meu antigo colega a escrever o que escreveu, a não ser algo muito próximo daquilo que atrás refiro. E, vós que me lêdes, prestai atenção: Eu conheço bem os envolvidos nesta história. Fui seu colega durante cinco longos anos, escondendo, a custo, o grande amor que essa garota me inspirava, também, escondendo-o de todos e até de mim próprio, uma vez que, dotado de parcos atributos físicos, percebi desde muito cedo que a minha amada só tinha olhos para aquele galã de botas grosseiras e calças de surrobeco. Já a mim, nem me via, a não ser na hora de hora de copiar algum exercício de matemática, porque, ao menos como aluno, sempre fui muito melhor do que o meu concorrente sentimental.
Lembro-me bem daquela fatídica tarde em que, segundo ele, se beijaram pela primeira vez. Eu e ele éramos amigos inseparáveis. Via com grande pesar os olhares cada vez mais apaixonados que um ao outro dirigiam. Eles nem me notavam. Um ciúme incontrolável tomava conta de mim. Via como eles procuravam alguns momentos a sós para se falarem. Terminada aula de francês, deixei, como por acaso, um caderno na sala e fui saindo, um pouco à frente deles. No ginásio, voltei para pegar o caderno. Sem fazer barulho, aproximei-me da porta e espreitei. Vi-os a se beijarem. Dei meia volta e saí correndo, tentando esconder as lágrimas. Atravessei o corredor sem ver nada e continuei a correr em direcção à casa de banho, no fim do pátio do recreio. Ouvi que alguém me chamou. Respondi apenas:
Eh! pá, estou apertado.
E só quando me tranquei numa das casinhas e me sentei na sanita pude, finalmente, dar vazão ao meu desespero e à minha frustração, sem medo de ser descoberto e de ter de pôr a nu os meus secretos sentimentos, verdadeiro motivo daquele meu rompante. Lá me deixei ficar, mesmo depois de ouvir a campaínha tocar dando por terminado o breve recreio. Não compareci à aula de estudo. O senhor Alberto, sempre atento, acabou por me achar. Perguntou-me o que estava a acontecer. Disse-lhe que estava com dor de barriga. Quis saber o que eu comera ao almoço. Disse-lhe e ele lá se convenceu e, acabou por me mandar para casa. Eu fui; mas a maior parte da tarde passei-a escondido na mata, em luta com toda a espécie de sentimentos contraditórios que em mim se degladiavam. Lutava desesperadamnete para apagar aquela cena do beijo da minha memória. Inutilmente. Perseguiu-me durante anos.
Afastei-me de Ansião. Sempre me achei feio e desajeitado com as mulheres. Cheguei a ter dúvidas sobre a minha masculinidade. Procurei, no amor pago, minorar o meu sofrimento. Quando a SIDA chegou, resolvi casar, já passado dos trinta anos. Nunca amei a minha mulher. Fiquei casado apenas nove meses.
Agora, quando tudo já não passava de uma lembrança quase apagada... Isto!!!
E, o que é pior, ela ainda gosta dele! Continua de quatro por um homem que, apesar de se saber correspondido, não teve coragem para fazer triunfar esse amor. Isso é o que mais me dói!
Não sei se algum dia terei coragem para participar dos vossos encontros, uma vez que já dei tantas referências a meu respeito que acho que todos já sabem quem eu sou. E é triste termos que enfrentar os nossos fracassos.
Peço que não me levem a mal este desabafo. Vão dizer que o fiz só por despeito. Talvez eu não vos tenha feito compreender como esse doloroso acontecimento influiu negativamente em toda a minha vida. Talvez os coordenadores da página apaguem este meu comentário. Não faz mal.
Continuarei a amar, em silêncio, a única paixão da minha vida.

PS: Patrício:
Acho que tu não sabes quem é o gajo. Acho que ele nunca foi da tua turma, mas enfim...

Anônimo disse...

Eu amo quem só teve uma paixão na vida!
Sou 20 anos mais nova que ele! Conheci-o este ano na escola onde leccionamos...
amo este homem que um dia duvidou da sua masculinidade! amo este homem que sabe que o amo mas que foge de mim!